Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Descrição de chapéu Portugal União Europeia

Segregação entre os emigrantes brasileiros

No exterior, milhões de emigrantes brasileiros continuam usando marcadores sociais para se reorganizarem

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Estamos habituados a descrever os emigrantes brasileiros como uma "comunidade". No início deste ano, o atual premiê português Luís Montenegro teve um encontro em Braga com a "comunidade imigrante brasileira" (nas suas palavras), para discutir a sua integração e ouvir as suas reinvindicações. Os primeiros-ministros do Reino Unido, da Itália e do Japão já fizeram caracterizações semelhantes.

Mas a ideia litúrgica de uma "comunidade brasileira" é mais aspiracional do que naturalista, como exemplificado pela frase "só me cruzo com eles na fila da Aima", ouvida ontem por uma brasileira de alta renda em referência a "outros brasileiros" com quem teve de dividir o mesmo chão no órgão público português responsável por imigração.

Rua da Bica de Duarte Belo, em Lisboa, Portugal - Odd Andersen - 22.out.2023/AFP

A emigração é uma experiência renovadora. Para muitos representa um renascimento econômico ou uma repersonalização identitária. Mas um estudo, acabado de publicar, do pesquisador Rafael Azeredo, vinculado à universidade de Queensland na Austrália, demonstra que "as diferenças de classe social do Brasil permanecem como marcadores críticos de distinção nas comunidades diáspóricas brasileiras".

A estratificação social é levada do Brasil e reproduzida pelos emigrantes brasileiros nos países de acolhimento.

Outros acadêmicos que analisaram as comunidades brasileiras em Portugal, Reino Unido, Japão, Alemanha e EUA, concluíram que o reforço dos diferenciadores sociais acontece, sobretudo, quando brasileiros de distintos estratos sociais acabam ocupando os mesmos espaços profissionais nos novos países.

Classe social, raça, escolaridade, origem regional, continuam a pesar. Os imperativos funcionais associados à emigração não apagam as disposições e códigos culturais incorporados pelos indivíduos.

Alguns brasileiros continuam a reivindicar prestígio social, mesmo quando afastados do ecossistema social que potenciou originalmente a estratificação.

Os sistemas de classificação utilizados para organizar percepções de domínio e de dominado, não facilmente reconhecíveis pelas sociedades que acolhem os brasileiros, perpetuam-se entre eles independentemente da experiência transformadora da emigração.

Mesmo nas grandes cidades do mundo, a divisão agrária entre uma minoria de sesmeiros e uma maioria de posseiros continua a existir.

Esta pesquisa revela que 50% dos brasileiros residentes em Portugal manifestaram falta de confiança nos seus compatriotas, retratados como os "outros brasileiros" ou os "brasileiros desconhecidos". Os canais de solidariedade, os gestos de auxílio e elos sociais que são criados entre os brasileiros são específicos a determinados enclaves identitários e não transversais a toda a comunidade residente em determinado país.

No caso de Portugal, estas demarcações acentuaram-se nos últimos anos, com a vinda de brasileiros que correspondem a vários matizes socioeconômicos (há vários "tipos" de brasileiros, como se ouve por aqui com pronúncia brasileira). A emigração para Portugal deixou de ser estandardizada.

No Japão, este estudo etnográfico, baseado em entrevistas a membros da comunidade brasileira, também revelou que as "diferenças internas entre migrantes [brasileiros] se tornam emaranhadas com diferenças nacionais [entre brasileiros e japoneses], posicionando o migrante brasileiro em um espaço simbólico ambíguo, entre amigo e inimigo."

Além dos velhos marcadores sociais levados do Brasil, os membros das comunidades brasileiras também criam novos cercadinhos sociais, como domínio da língua do país de acolhimento e sotaque.

Nos EUA, os brasileiros que não têm sotaque estrangeiro são os mais rápidos a se afastarem da comunidade brasileira e a se integrarem localmente, principalmente em comunidades brancas.

Outro está relacionado às razões da emigração. No Japão, os emigrantes brasileiros cujo objetivo primário é economizar o máximo de dinheiro possível para poderem retornar a casa têm índices de relacionamento baixo com os seus compatriotas cujo objetivo é usufruírem do bem-estar social oferecido pelo país de acolhimento.

"Um grupo é demonizado pelo outro", escreve um pesquisador. Estas clivagens são visíveis também no Reino Unido, com os emigrantes ricos, com uma experiência fetichizada de cosmopolitismo, tendo menos tendência a se conectarem com os emigrantes que sofrem de alienação social e com o trauma da separação, geralmente associáveis a classes mais baixas.

Os novos temas ideológicos e políticos são também fatores de distinção. O mês passado, foi eleito um deputado de origem brasileira para o parlamento português por um partido de direita radical populista. Marcus Santos é bolsonarista, extremista e misógino. Dificilmente o ex-atleta de MMA será reconhecido por emigrantes brasileiros moderados e democratas como o plenipotenciário que representará os seus interesses na casa das leis.

Um dos mais interessantes livros sobre a diáspora brasileira —"Goodbye, Brazil: Émigrés from the Land of Soccer and Samba" de Maxine L. Margolis— destaca que os emigrantes brasileiros, em cada país de acolhimento, têm dificuldade em projetar a sua voz e modelar uma identidade. São vítimas de invisibilismo, ignorância e exotismo.

Mas também são vítimas de algo pior. Deles próprios.

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